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quarta-feira, 15 de maio de 2013

A Loucura como presente




Imagem do Artista Plástico Eulâmpio Neto -http://www.eulampio.com/index.php?lang=pt


Alguns presentes são tão raros e especiais pelo simples fato de estarem além de nós. O invisível, o escapável, o fugidio é o que nos deixa ansiosos pela possível descoberta do grande dia. 

A essa altura, queridos amadores da vida, alguém está a se perguntar o porquê de elucidar uma conversa, talvez um pouco complexa, acerca de um "presente". O presente de que falo não é daqueles que a gente ganha, embalados em caixinhas coloridas e fitas de cetim, no dia do nosso esperado aniversário ou outra ocasião especial. Falo do presente que mais surpreendeu meus olhos numa manhã de 29 de outubro.

Para mim o dia despontou como sempre - igual a todos. Mas neste dia, talvez acompanhada de uma percepção mais sensível, vi que havia um pouco de mistério no balançar das árvores que, ora pareciam flutuar, ora arrastar-se pelo mundo, carregando o peso da loucura humana.  - Foi uma sensação estranha. Havia um dia lindo e um pouco nublado, daqueles que encantam a gente com a batida calma da natureza. 

Fui, literalmente, impulsionada a sair de casa e dedicar um pouco do meu tempo a algo que não estaria muito distante dali. Lembro que, ao girar a maçaneta e sair em direção a esse invisível que já estava aos gritos, uma sensação pulsante de loucura atacara minha mente. Eu, sempre amante dos discursos sobre a loucura, esse raio incontrolável do ser humano, mas tão vital e escapável que, uma simples aproximação entre nós (a loucura e eu), poderia levar minha alma para sempre embora deste mundo tedioso e insuportável, como se esvaia diante de mim. 

A caminho da biblioteca - nesse dia que eu desejara tanto estar em outro lugar do mundo, talvez perdida em algum ponto do Universo -, mas em contato com minha própria carne, escapando desse mundo insensível e esmagador, percebi o trajeto diário banal de minha vida, do amanhecer ao anoitecer. Não aprendi a me conformar com a mesmice das coisas - a vida para mim não basta em si mesma ou aceitar as coisas como são e não como deveriam ser, é desde sempre uma masmorra de inconstâncias e lutas internas.

Ao chegar à biblioteca e desembalar meus livros sobre a mesa, correu-me um raio de curiosidade para subir mais um degrau - achei que não estava confortável naquele lugar costumeiro de estudos, o qual me era tão familiar. Avancei, vagarosamente, até encontrar uma mesinha, num lugar de pouca luz, mas que serviria para eu recostar a cabeça por um tempo e pensar um pouco sobre o que transcorrera durante aqueles anos que se passaram, tão cheios de sonhos e projetos ainda por realizar.

Mas, eis que uma súbita inquietação estremeceu minhas pernas e me fizeram perscrutar o lugar para onde fora, com receios e ansiosa pela descoberta. Soubera, ao longo daquele caminho, que a manhã não passaria incólume a um dia tão estranho, mas único. 

Ao dar os primeiros passos, enveredei por um pequeno labirinto de livros velhos e empoeirados, desgastados pelo conhecimento adormecido dos grandes homens, que deveriam dedicar mais seus suspiros às coisas que verdadeiramente importam: as que superam a vida em seu tamanho.
Passando pela galeria de exposições, deparei-me com um trabalho excepcionalmente humano, sublime em loucura, dor, medo, grito, sussurro, angústia, saudade, decepção, desassossego, incerteza, remorso, solidão... os sentimentos mais dolorosos e aprisionantes que o ser humanos pode construir.
 - Eulâmpio, era esse o nome do gênio criador. Soubera incrustar em suas esculturas de terracota as sensações que eu me deparara todos os dias, seja ao sentir a decepção e os olhos rasos d'água das pessoas ou beber de minha dor infinda.

Diante de tantos personagens arrebentados pelos sussurros da loucura, vi-me diante da história sem fim do ser humano; vi, em cada rosto, veias a escorrerem pelos pescoços magricelos de seres sem vida, de pura argila, mas de espíritos tão humanos quanto o meu. Para cada dose de loucura e suas infinitas sensações, havia um título para retratar a expressão pesada que pousava em cada rosto.

Vi realmente que a vida guardara um presente de grandes responsabilidades para mim - passar para as pessoas suas faces nuas e suas doses de loucura de todos os dias não é tarefa fácil, muito menos humana. É algo que exige o despertar de algo maior, que não arranja lugar dentro de nosso corpo coberto de loucuras pelas sensações que o mundo nos causa.

A partir daquele momento tilintante em minha alma, as histórias daquelas criaturas começaram a adquirir formas naquelas folhas tão brancas que guardara dentro de um caderno pouco rabiscado. Seus sentimentos estavam entrelaçados por vivências distintas e por uma loucura constante, desmedida.

Meu presente de aniversário tomava formas cada vez que roubava por direito um título da loucura - o presente que mais parecia um grande trabalho, corria por entre meus dedos a sapriscar a tinta no papel como a vida que flui nas crianças em dias de passeio no parque.

Eram muitos personagens tomados pelas sensações que eu degustava freneticamente - tomei consciência que havia treze seres angustiados pelas loucuras e que, como recompensa, eu teria que trazer treze vidas repletas de histórias que pudessem exprimir o motivo de suas loucuras tão vis. Suas histórias não eram estranhas; ecoavam os longos suspiros dos gritos ritmados, todos juntos.

Aquelas vidas entrelaçadas pela loucura mostraram-me a forma translúcida do presente que a vida reservara - decidi escrever a história mágica de todos aqueles seres que ainda estavam por vir a este mundo cheio de incertezas e temores.

Treze poesias foram escritas, infladas de muitas loucuras e palpitações. As idéias transitavam de uma ponta a outra, desesperadas, não me deixavam descansar ou sequer pensar no arranjo de meus versos, apenas surgiam, nuas e sem pudores. Em poucas horas, ali estava meu presente raro, singelo e de um valor inestimável. 

Havia diante de mim e das infindáveis vidas que flutuavam loucas em minha frente - para eu juntá-las em fórmulas perfeitas -, o cálculo exato que não sei de onde, viera parar em minhas mãos.

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