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quinta-feira, 25 de julho de 2013

As crônicas de Clarice

Imagem:http://www.sempretops.com/pensamentos/clarice-lispector-obras-e-livros/




           Quando peguei o livro de crônicas que a escritora Clarice Lispector escreveu para o Jornal do Brasil na sua coluna aos sábados (1967-73), juro que desejei ardentemente desvendar o mundo subjetivo e o dia a dia das pessoas que transitam todos os dias pelos acontecimentos, espaços e tempos efêmeros que podem eternizar-se, como ela assim o fez.


            Suas palavras são simples, claras, entendíveis – como se cria uma nova palavra, e o autor pergunta a si próprio, com ar de preocupação: “Será que entenderão o que falo?” E, ao final de um suspiro, ele se entendeu completamente. Esse é o sentido: entender-se e ser entendido em sua forma completa, como um todo existente e não explicável.


            O que sei é que gosto de escrever e como já disse uma vez “acho que causo um efeito devastador sobre as palavras”, mas deixe-me explicar: tenho em minha forma real e visível de escrever as descrições e até os detalhes mais sórdidos que passam a causar a náusea e o medo no interior das pessoas. Mas, cada escritor vive e é desvendado em seu mundo de palavras e construções de realidades e fantasias, ou os dois agindo em separado - assim prefiro acreditar. E gosto desses mundos transversais e paralelos que saem da tinta e do pensamento, o que me surpreende sempre em lugares quaisquer.

            A inspiração ou não sei o quê e como definir, alguns atos e inquietações minhas e humanas, vem tão de dentro, pisando profundo, que nenhuma fibra se distrai, arruma-se, como um emaranhado de células, organizadas e tomando formas harmônicas em cada parte independente ou dependente, como esperamos entender a complexidade da vida. A simplicidade está em como se vive e se descreve as sentenças e o mistério irrevogável de estar no mundo.


            Folheando alguns livros sobre as cartas e entrevistas que Clarice realizou (Minhas queridas e Correspondências, ambos pela Rocco), senti que o diálogo entre pessoas pode ser mais simples do que se imagina, não precisa de meio-termo ou alvoroço, porque alguém poderá não nos entender. Se tudo está dito em linhas e palavras que se explicam por si só, não vale impressionar tanto nossa mente, o que pode ser fatal para as noites em claro.

            Pode até ser estranho enviar cartas ou colecionar correspondências em nossos dias contemporâneos – imagina! guardar cartas que talvez jamais serão lidas, aliás, respondidas, pois nossos emails assumem a responsabilidade de dar a novidade do momento o mais rápido possível, até para os mais desinformados ou avessos a tal tecnologia. O que sei é que as cartas são marcantes e já passou o seu tempo, pelo menos as pessoas já não possuem mais o hábito da comunicação através delas. Mas ainda guardo algumas - de amigos, familiares e pessoas que jamais voltarei a encontrar neste planeta, pois já se foram para outros planos do universo. As de Clarice, porém, ficaram para muitas gerações se deliciarem com a conversa informal e como gostaríamos de nos comunicar com os outros que estão sempre do outro lado da nossa caneta, que rabisca vários papéis até encontrar a construção certa para que irá receber nossa história que encanta ou pode desencantar no primeiro momento da leitura. É que não existem somente as cartas alegres, mas também as trágicas, que podem marcar o rumo de todos os planos desde o momento que chegam as mãos do receptor.


            Continuo escrevendo e pensando outras coisas – não sei desistir ou me esquivar do que vem às minhas mãos, dou-lhe formas -, inclusive a poesia, que tenho um lugar secreto para guardá-las, pois, assim como as cartas, já não possuem tanto espaço nas estantes das pessoas, e quando possuem, são saboreadas várias vezes para que seu gosto não seja esquecido. Parece que há algo de trágico e romântico demais nos versos, e não necessita de medos para ler, apenas de boa disposição e esquecimento do mundo que nos cerca, tão cheio de volumes desnecessários.


            Pensar, sentir, estar entre espaços contínuos e descontinuados, ver-se e dominar o constante estado de flutuar ou deixar-se estender numa poltrona, sem motivos aparentes - apenas vivencio estas sensações últimas da liberdade -, saber que se existe. Somente o ser que é livre possui a sensibilidade para dar o sentido pleno a sua vida.

***

2 comentários:

  1. Não tem como não se apaixonar pela Clarice, não é? Ela é fantástica, delicada, intensa... Um misto de sentimentos e sensações! Adorei seu post! Parabéns!

    www.universodosleitores.blogspot.com.br

    Abraços!

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  2. Clarice é indecifrável embora maravilhosa, pura, angelical e ao mesmo tempo dramática, ríspida e fascinante. Seu texto está encantador assim como seu blog,bjsss

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