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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

História de rua



Vi-o recostado, a meter-lhe as mãos apressadamente dentro de um balde escuro e cheio, a esborrar-se de lixo. Aquelas mãos sujas e ofegantes, catando naquele valioso balde o sustento de seu corpo naquela noite erguida por finas estrelas, não passaria incólume a uma observação sutil.


Estava atônito, mas a comida saltava-lhes aos olhos de uma forma cruel, como uma espécie de libertação da fome que transcorrera ao longo daquele dia turbulento. Mas, para ele, que sempre jogado às arbitrariedade e o silêncio da sarjeta noturna, tal abstinência lhe arrancara parte do estômago morno e o fizera catar os restos que alguém já saciado o bastante, abandonara-o sem remorsos maiores.


Mas a comida do velho balde desbotado não era suficiente para uma noite e várias semanas de fome que lhes secava até o espírito. Sua forma violenta de esparramar aquela comida podre e amarga - imagino-, acalentava sua sede de viver a manhã que lhe aguardava.

Tal cena de ficção, mas que aos meus olhos não passara da desgraça real, trouxe uma espécie de letargia da alma e do espírito pois, àquela altura, um voo de sensações humanas me acusava violentamente. Não saberia como agir ou evitar o olhar curioso de como terminaria o capítulo final de um curta cinematográfico ininterrupto da tragicomédia humana.


Por certo, alguns desventurados em outros tipos de mundos não ousaram sequer um dia, provar dos extremos de absurdos que é a corda desarmônica e seus tons desafinados, sussurrando a música triste e bucólica da vida, seja nos últimos devaneios do amor sustenido ou na incontrolável vontade de se lançar ao conhecimento da essência do homem e suas múltiplas histórias, divididas entre a loucura e o pudor desconhecido – a falácia que anda recostada ao ouvido, murmurando sobre os sabores e os prazeres fáceis, cujo preço é a própria alma, como no romance do inesquecível gênio Oscar Wilde, o qual ficarei devendo uma crônica sobre as peripécias do Sir Dorian Gray e do genial Sir Lorde Henry Wotton, não esquecendo o sublime retrato feito por Sir Basil Hallward, pintado com o amor e a amizade mais devotada que poderia contar o jovem de indescritível beleza.


Sem delongas, a história terminara fria, terrível e sublime! Sublime, em sua forma de desvendar a máscara banal e superficial do material que temos todos os dias em nossas casas, mas que, por um temor absurdo e sem paralelos, esquivamo-nos em dividi-la entre seres tão humanos quanto nós.

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