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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Pedaços de uma carta

Imagem: Pierre-Auguste Renoir: Girls at the Piano, 1892



As pessoas descobrem uma parte do que estão sentindo quando entram em contato com seus escritos, suas ficções, seus romances, sua psicologia...isso também realiza e faz parte da construção íntima da grande escritora. Mas o que mais me impressiona é o poder das palavras que algumas pessoas trazem nessa vida e possuem o dom de transmiti-las aos corações que procuram a palavra...a frase certa...o texto completo para seus momentos.



Gostaria de falar-te muito mais - e como acho as cartas sublimes, eu ficaria horas por aqui te falando e me indagando -, mas sei do seu tempo e suas ocupações na órbita em que se encontra, e o que mais me impressiona é que você tira das coisas mais simples seu dia a dia e o que as pessoas gostariam de ser, de viver, de falar, de gritar para o mundo...


                                       *** 


Acabo de ler ... Confesso que li ininterruptamente, como quando assistimos ao clímax e ao desfecho de um filme que esperamos o ano inteiro pela sua estreia no cinema, ou ao ato mais sublime de uma peça de teatro, e não interessa se faz jus ao gênero clássico shakespeariano. Digo que a obra me comoveu por ser singela, realista, complexa, crepitante na pele.

Fico feliz que tenha voltado ao Brasil. Nós, leitores e escritores, necessitamos da sua presença para entendermos e enchermos de graça nossos dias. O cotidiano é o que nos move: você, tecendo a história sua e dos outros numa grande rede majestosa de buscas, interpretações e entendimentos mútuos; e eu, pairando na extrema urgência das coisas, na minha singular inquietação de apenas fazer o verbo tornar, a minha suprema realização.

Gosto mesmo de escrever, tenho histórias e mundos que vivem, transbordam e criam pessoas dentro da minha mente – desejo expô-los mais que o necessário, fazê-los viver, prescindir em sua razão de ser, para que entendamos melhor o funcionamento dos grandes relógios que redundam no tic-tac e na precisão mórbida das horas.

Quando te escrevi aqui com o título (...), via email, não me preocupei com a (...) e meu diálogo desinteressado transitando em seu mundo, tanto que quando recebi sua resposta, meu coração palpitou de uma alegria aguda, que arrebatou minhas ideias, correndo para o ato de escrever – você inspirou meu texto. Também não confidenciei a ninguém sua resposta – uma pequena resposta informando que estava em (...), numa viagem(...), e (...). É algo secreto para mim, uma forma de segredo real. Ninguém precisa saber que me exponho demais ou que você se expõe também no exato momento em que me responde. Nosso mundo contemporâneo nos asfixia com sua tecnologia vibrando em nossas mãos – as redes sociais são testemunhas corriqueiras do “disse me disse”. Não pretendo mostrar nossas conversas literárias para tirar proveito, de jeito nenhum.  

Quero te dizer que tenho alguns e outros projetos em mente – tem a ver unicamente com mundos e pessoas. Sim, as pessoas que você faz viver, que vive das noites, dos dias e se sentem em suas histórias, porque sabem tirar o melhor da vida, e não digo que seja o pior.

Publiquei poesias e prosas em páginas da internet, sai numa publicação da VII Antologia Poética (pela Cogito Editora) e, ainda esse ano, participo da Poesia Mundo (também pela Cogito). Hoje, alimento sempre que posso o Blog Intimidades de uma Escritora e minha página Patrícia Dantas, no Recanto das Letras. Gosto tanto tanto de escrever, tenho fascínio, respiro, morro e vivo quando escrevo. É o que tenho.

Mas, gostaria muito de suas palavras, quero saber sua opinião sobre minha escrita. Não foi aleatório quando enviei a carta-email para você no dia 11 de julho – também sabia que você não estava no (...), mas me veio um impulso que não pude contê-lo – preferi correr o risco de não obter a resposta naquele mesmo dia. Mas você - a escritora-estrela que imagino, brilhante, que ecoa e ressoa -, respondeu-me, deu-me a palavra viva, no raio virtual do momento. Senti o que não cabia em mim! (...) estava ali, de alguma forma, em palavras, vívida.  
 
Estou escrevendo um livro, um romance sobre a ficção de uma Srta. que vê mundos inapalpáveis, e não possui mais o sutil domínio das suas sensações, pois o ser que sabotava em todos os seus momentos fora transferido para seus sonhos, trazendo-lhe horríveis pesadelos todas as noites, fatos ininterruptos, continuados. Meu romance está num início-acabado, pois em mim ele já se fez em todo o enredo. Só resta escapar e fugir para o mundo, na total liberdade, como um libertino.

O segundo romance, que já tenho em mente, está ainda latente. Não sei como será. Pressinto. Mas já é outro assunto. Quero falar-lhe em outro momento, tenho medo de sucumbir o primeiro com nossa imaginação que corre no pensamento e no papel.  

Sei que você guarda poesias e já publicou uma parte, em (...). É mérito de poucos poetas o sucesso, e você sabe fazê-lo. Meu Deus, que nossas poesias não sejam desperdiçadas, pois necessitamos de poesia todos os dias, como vivia o poeta do cotidiano, Mario Quintana.

Tenho um projeto que envolve a alma dos homens e da poesia. Acredito que o intenso espírito da poesia mora nas ruas, debaixo da chuva, sofre por amor, embrulha o estômago de fome, padece no frio! mas canta e busca encanto para o seu ser no brilho da lua e na sarjeta da sua história, roubada ou inventada, vilipendiada, enfim. Eis a alma infinita do poeta: passar por sofrimentos maiores e tingir suas palavras com o sangue verdadeiro, vermelho-rubi.

Por tudo isso, acredito nas almas livres e nos espíritos nus dos homens das ruas. Gostaria de colher esse sangue e derramá-lo nos livros, reunindo 100 personagens moradores de ruas e 100 poesias cravadas em suas carnes, inescapáveis como suas histórias. 

Por ora estou feliz com o que pude expressar para você, da maneira que me vieram as palavras, livres e libertinas como os homens de rua, cheias de coragem.

Boa noite, querida(...)...