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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Uma vida em dois breves atos


Imagem: Gustav Klimt, Sea Serpents


Entre amar e existir havia uma sentença pronta: ir embora. Estava assim, decidida, todos os dias. Para este ato necessitava somente encarar mais um ciclo que estava prestes a fechar, parecia algo enigmático, pois era como se não tivesse um fim, ou não se cogitasse essa palavra para se falar em outro começo.
Estudara sobre brevidade da vida e das filosofias acerca da existência, do amor, da amizade, da felicidade, da moral, dos costumes dos homens e das suas diferentes formas de organização ao longo da história, movidos por diversos interesses que envolviam outras categorias de sensações que ela não entendia muito bem. Isto lhe pesava como um enorme bloco de pedra nas costas, caindo a cada subida, como o castigo do titã Prometeu, por ousar roubar o fogo do Olimpo e descortinar o segredo do mundo para os homens.
Tudo contribuía para que não mudasse suas ideias e os assuntos que matutava com fervor, talvez ela desejasse ser outra pessoa, perdida dentro de um mundo sem formas, morais ou falsas leis, pelo menos que não a fizesse subalterna ou refém da sua própria mente. Nada iria submeter sua pessoa ao simples cotidiano que retalhava seus desejos, absolutamente nada que conhecesse ou estivesse pulsando ao seu redor.
***
            Todas as manhãs, quando o dia avança com sua força declarada ou o vislumbre da posteridade, ela ainda pensa que será por um longo tempo, como nas histórias de ficção, presa por um mecanismo que dá o poder da existência em várias dimensões, a um só tempo. Não é a vida que retorna, mas que permanece nos sentidos e se torna algo contável, desfilando na história com suas próprias palavras, ou pelo olhar aguçado de um curioso em desvendar a trilha secreta de uma mulher em meio à multidão.
            Se ela deseja dar uma entrevista sobre o que acabara de contar à sombra de sua mais declarada coragem? Acredito que não. Sua coragem é mais que sua arma, é a forma de se reconhecer com seu rosto marcante e sua boca carregada de sutilezas tolas. É como se vê em todos os seus atos, até nos inventados: quando cria paisagens ausentes de cores, o que frequentemente se sobressai em situações adversas – a avassaladora ausência das cores e de si, o corpo de formas e sem tons. Ou o rosado claro, nude, sedoso, quase um incolor indefinido, não seria seu tom mais verdadeiro?
            A aventura maior será o retorno: a si ou ao que imagina ser ou ter formado diante do que chama de eu. Todas as coisas que lhe falam através das janelas que continuam abertas, esperando a cortina clara da manhã seguinte, são segredos ainda inconfessáveis, pelo menos não serão revelados até que os conheça além do mundo que aparentam ter saído.
***
           

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