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quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A cor da volúpia



 
Imagem: Marilyn Monroe

Vermelho. Acho intenso demais, pode nos invadir sem demora; uma cor que esbanja adjetivos e sensações de volúpia que muitas vezes pode levar ao desespero, quando se traduz em sangue ou na sua minuciosa simbologia.



Quando penso em representação da vida, penso também nas cores. Em tudo elas existem, são partículas de vida. Vão de um bloody mary gelado à tonalidade do vinho que alimenta nossos sentidos.



Posso ainda falar mais que isto! Quando se vê, em sonho, um cavalheiro ofertar seu coração vermelho-sangue, tenro, palpitando mãos molhadas, o que se pode querer do dia seguinte? Não sair de casa, correr pelos espaços da imaginação e dar voltas pelo mundo interior em busca de algum resquício revelador daquele ato.



Meus sonhos são intensos - é como se uma parte de mim - a mais completa -mergulhasse numa viagem todas as noite em busca da continuação das viagens que fiz por outros universos paralelos, não importa o tempo, elas sempre retornam. Os roteiros são improváveis, mas sempre vejo construções em púrpura, decorações que abusam do vermelho; são cores que mudam a tonalidade, mas permanecem fetiches inescapáveis.



Também me vejo em vermelho, no calor do meu corpo, faces ruborizadas, um misto de intensidade. Definir tudo isso de uma vez só é muito perigoso.



 



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terça-feira, 26 de novembro de 2013

Um não-lugar impecável



Imagem: Henri de Toulouse-Lautrec

Sou uma outra pessoa. A que com a face se entrega; a que se apavora com a situação presente. Penso que me dou melhor com a pessoa-sensação que foge para um lugar inventado de paisagens planas e coloridas, leves e musicais. Quando me sinto sufocada, perco o chão, como se fosse transportada para qualquer espaço ermo, sem cores ou sons que acalentam minhas dores e inseguranças.



            Morro pela falta de liberdade! É um mundo que irrompe todos os dias, vestido de forma impecável, frio, galanteador, aparentemente racional, com minha vida no palco, cantarolando quimeras desconhecidas que vivem da suprema inventividade e do gosto de existir. Ainda saio como num passeio qualquer, vou atrás do que há de moderno, como se costuma dizer. Mas qual a graça disso tudo? Preciso transpor meus limites torpes que agonizam como felinos atingidos por algum predador.



            Quero a vida em minhas mãos, ser carregada como o vento que sopra as folhas secas; quero a inconstância, o não-lugar, a ansiedade que prepara o corpo para algum desfecho. Não gosto da estabilidade das coisas, elas tem um quê de finitude, de prontidão diante da gente, é como se não houvesse espaço para corromper o que está perfeito, e perfeição é algo que aglutina início, meio e fim. É bom para apreciar e se imaginar perfeito, mas nem temos caminho para isso nesse mundo em ebulição, que combina bem com o slogan “tudo junto e misturado”.



            Senti a necessidade de alguém para caminhar junto, e para isto já o tenho, ainda que eu não me revele por completo – é que não daria o charme, o mistério do próximo passo, da viagem que sempre está por vir.



Dá-me, por fim, tuas mãos poderosas, que possam afagar meu rosto suado de tanto acreditar. Dizem que o céu pode se abrir, lembro de ter visto este diálogo num filme que assisti há algum tempo, e marcou pela forma com que foi falado, pois eram almas singulares que viviam de um  momento único, que passava sem tréguas.



Incompleta e complexa. De que me serviria o contrário? Seria não-ser! Como saberia ousar e provar das representações que eclodem em mim como artistas em êxtase? Nem sei explicar, mas seria uma falta de tudo, um mormaço sem chamas. 

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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Beijar as mãos


Portrait Of Adele Bloch Bauer I - Gustav Klimt


Gosto de beijar as mãos de uma pessoa – é uma profissão de fé para demonstrar minha amizade e gratidão; faço-o como um gesto cheio de melindres maiores, que vêm do interior e sabe se instalar na pessoa que posa sem expectativas.



Beijar as mãos de uma pessoa é colocar-se no côncavo das mesmas mãos, bem fundo, na finitude, e sentir-se protegido; é sobretudo atitude, troca de calor; é se sentir acariciado, fazer jus ao instinto, sem pedir nada em troca.



São as sensações amistosas que roubamos e nos prendemos - dizem que não estamos sozinhos, quando pensamos que realmente estamos. Existem pessoas à volta, à espera, tão promíscuas em suas carências que beijariam as primeiras mãos que aparecessem, sem cheiro, cor, sabor, sem requintes...apenas para sentir o toque e não mais se entregar ao abandono, mas ceder à companhia, ao espaço entre uma palavra e outra, ou ao silêncio que antecede os atos improvisados.



Damos as mãos todos os dias, insensatos, desprevenidos, sem intenções, como um desabrigo prestes a escapar por entre os dedos (demonstramos uma aptidão interessada, algum agradecimentos ou estupefação desmedida que se confundem com o real significado da aparência), não para nos deixar absortos, ao contrário, expelir a fina demência racional que se esconde dentro da generosidade fantasmagórica – ela toma formas e age como um monstro escondido.



É um gesto simples para gostos simples, almas e corações refinados; canções vibrantes que ecoam na voz, nos passos, no movimento recíproco; aproximação, interação, troca de fluidos, por assim dizer; tilinta, sorve, espasma; é o que se bebe e sente expandir dentro de si.



Sentir outra pessoa, às vezes assusta - pela vibração e conexão das energias, pela mutualidade. E nem sempre se pode ver essa simbiose, é quase uma des-conexão ou uma força bruta que, por repulsa, não permite o toque, nem que o desejo de alguém se perpetue a ponto de sufocar-se; beijar as mãos, até do mais desgrenhado ser que posa em sua frente, é um gesto inexplicável e despudorado de humanidade.   



                                       ***

sábado, 23 de novembro de 2013

Carta a um Príncipe – Um diálogo com O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry


À linda história de um principezinho que não sei de onde, talvez, de outro planeta, veio parar em minha vida.

 “... Levei muito tempo para compreender de onde viera”. É assim como as pessoas grandes comportam-se. Poucos sabem das coisas simples e leves, que movem o espírito e dão suavidade a alma, simplesmente não se importam, calam, abandonam, consentem.
Mas, para um pequeno principezinho, tão sensível e sábio perante as pequenas coisas de grandes significados, o mundo certamente não passara incólume às suas dúvidas, devaneios, filosofias, admirações: “- Então, tu também vens do céu! De que planeta és tu?”.
Sua ingenuidade ultrapassara os limites do entendimento dos homens que há tanto tempo habitam a terra. Ora, supor que um pequeno carneirinho, menor que seu reino, abrigar-se-ia numa caixa minúscula à noite, a qual serviria de casa, é atentar contra a racionalidade humana, ainda mais, relutando com tamanha convicção: “Não faz mal, é tão pequeno onde moro!”.
Falando assim, tão seguro de si, poderemos pensar que nosso amigo viera de um planeta minúsculo, que, diante da infinitude de tantos outros desconhecidos e maiores, ousaremos supor, com artimanhas de gente grande que "O planeta de onde ele vinha é o asteróide B 612". Só brincando com os números de uma maneira estranha e racional, é que se pode dar forma e sentido para uma explicação humana e adulta ou, talvez, ser um pouco como as pessoas grandes, que se encantam, emudecem e fantasiam com emaranhados de números sem nexo, mas que significam uma boa posição social e conquistas na vida adulta.
Carneirinhos, baobás, elefantes, pôr-do-sol! Cores, espetáculos e formas praticamente imperceptíveis ao olho humano, tão imerso em seus problemas. Quem ousaria, em bom tom, dizer: “Um dia eu vi o sol se pôr quarenta e três vezes!” Estas são palavras que exalam um sentimento maior de pureza e liberdade vilipendiadas. Mas um principezinho dissera outrora, e sabe por quê? Sua explicação é simples e demasiada complexa, pois, para ele, “quando a gente está triste demais, gosta do pôr-do-sol...”.
Há uma revelação maior entre nós, que é o fato de escondermos a nós próprios perante a vida e não indagamos sequer sobre a existência dos espinhos em nossas flores, tão mordazes, diante de tanto perfume! Mas se tiveres realmente a oportunidade de conheceres tua flor e amá-la saberás que: “Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta para que seja feliz quando a contempla. Ele pensa: “Minha flor está lá, nalgum lugar...” Quem sabe ainda desconhecida, pronta para despertar, ainda que despenteada, mas com esmero no olhar e sem modéstia na fala, viesse afirmar que ”nascera ao mesmo tempo que o sol...”
Diante de tamanho encanto e da história mirabolante da flor, o principezinho sentiu a força maior do carinho e cuidado com que se deve tratar o bem amado, mesmo quando retrucou: "Não a devia ter escutado - confessou-me um dia - não se deve nunca escutar as flores. Basta olhá-las, aspirar o perfume. A minha embalsamava o planeta, mas eu não me contentava com isso”. Sabia o pequeno príncipe do bem maior que era tê-la por perto, ainda que não compreendesse seus atos e suas palavras contraditórias, mas, sentia que ela o perfumava e iluminava em seu pequeno planeta, porém, “devia ter-lhe adivinhado a ternura sob os seus pobres ardis. São tão contraditórias as flores!... era jovem demais para saber amar”.
A flor, porém, tinha um pouco de cada um de nós: orgulho, arrependimento, zelo e doçura, quando, nos momentos em que nos deixam mais saudade, desatamos friamente, a esconder nossa tristeza: “- Trata de ser feliz...” Quando por pura devoção e mimo, deveríamos soltar nosso ímpeto como se fossem as últimas palavras: “- Não demores assim, que é exasperante”. Ainda correríamos o risco que vissem nossas lágrimas.
O principezinho partiu e em sua empreitada, triste de saudade e melancolia, deparou-se com um reino muito pequeno, mas, cansado de tanto andar e não haver dormido ainda, bocejou na frente do rei e foi logo repreendido: “É contra a etiqueta bocejar na frente do rei... eu o proíbo”.De prontidão, o pequeno príncipe logo adiantou: “- Não posso evitá-lo... Fiz uma longa viagem e não dormi ainda...” Tanta autoridade soou, para o principezinho, a estranheza das pessoas grandes.
Sempre em frente, deparara-se com casos bizarros e estranhos dos humanos como a vaidade extremada, que, para ele, num reino solitário, não significava sentimentos ou honrarias maiores. Até um bêbado que encontrara em seu caminho chamou atenção pelo comportamento melancólico, tão comum ao principezinho em sua relação consigo mesmo, pois não via o sentido das pessoas agirem de tal maneira, em prol somente dos seus desejos. Mas achava-as extraordinárias com seus modos estranhos!
De planeta em planeta, o pequeno príncipe seguia seu caminho de descobertas e encontros com os diversos habitantes dos outros planetas, que lhes mostrava o quanto é trágico não perceber as coisas mais importantes da vida, como o simples ato de amar uma flor ou cuidar de uma única estrela e buscá-la no momento exato, ao longe, no firmamento.
Ao chegar a terra, logo percebeu que os variados tipos que encontrara em sua exploração não eram estranhos naquele lugar, mas, tão comuns, a ponto de entender cada vez mais as pessoas grandes - era assim como ele entendia os humanos!
“Mas ele era puro. Viera de uma estrela...” de tão alto e tão longe que mesmo a serpente não ousara devolvê-lo a terra, como fizera com muitos homens enlouquecidos de paixão e poder.
Seus passos, porém, seguia o perfume de uma flor que encontrou pelo caminho, e perguntara logo pelos homens, mas desde sempre soubera que estes não possuem raízes e quase sempre se acham correndo em algum lugar do planeta.
Mas lá estavam, num lindo jardim, diversas rosas, tão lindas quanto a que ele deixou - sua flor predileta, pela qual ele chorara, ainda que conhecendo sua vaidade extremada e seus truques para conseguir realizar seus desejos. Foi somente no meio delas que se sentiu extremamente infeliz. “Sua flor lhe havia contado que ela era a única de sua espécie em todo o universo. E eis que havia cinco mil, iguaizinhas, num só jardim!" Mas pudera ser a única em espécie a despertar mais profundamente a alma do principezinho!
Foi somente a raposa que deu o maior ensinamento sobre os laços entre os homens, quando pronunciou a palavra “cativar”, que tanto chamou a atenção do pequeno príncipe, ainda mais, quando explicou com um exemplo tão concreto: “Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...”
“Existe uma flor... eu creio que ela me cativou...” logo lembrou o principezinho com certo saudosismo e entusiasmo, pois logo entendera o significado da palavra cativar.
Ao perceber a magnitude da presença do principezinho em sua vida, logo a raposa pediu para ser cativada por ele, quando declarou sua necessidade e que, pelos passos dele seria chamada para fora da toca, “como se fosse música”, quando os outros passos lhe faziam entrar para debaixo da terra!
Insistentemente, explicara a ele sobre sua teoria: “a gente só conhece bem as coisas que cativou”. De forma bem humana, fê-lo entender o quanto é importante o amor, a amizade, cativar:
“- É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto...”.
O ritual mágico do encontro se faz de presença e confiança, assim é a expressão grandiosa do ato de cativar! Assim como a raposa disse ao pequeno príncipe de coração tão grandioso, as palavras mais verdadeiras para expressar o quanto me cativastes, revelam o quanto sua presença é importante em minha vida. “Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração... É preciso ritos”.
Nessa dança louca de rituais, confrontamo-nos com um ritmo intenso e louco, que desatina e foge ao nosso controle: “É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas”.
“Assim o principezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:
- Ah!  Eu vou chorar.”
Mas logo acrescentou:
“- Vai rever as rosas. Tu compreenderás que a tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te farei presente de um segredo”.
Ao voltar, tão desapontado com as rosas, escutou a revelação da raposa, que lhe serviria pela vida inteira: “Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos”.
Nosso tempo é o alimento necessário para nos tornarmos responsáveis pelo que cativamos, ou seja, o outro! A raposa assim o expressou bem:
“- Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante”.
O carinho, respeito e cuidado são as engrenagens que fazem esse truque correr no leito das fantasias, como o mais belo seio das deusas abraçado, fugir em direção ao infinito dos rios e dos mares. “- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...”.
            A história é o que toca, paralisa, gela! "O que tanto me comove nesse príncipe adormecido é sua fidelidade a uma flor; é a imagem de uma rosa que brilha nele como a chama de uma lâmpada, mesmo quando dorme...”.
            Não me é estranho o fato de uma raposa sentir tanto a falta do principezinho, pois, a tristeza bate com a saudade, o riso ausente, a presença constante sem se estar aqui. “... A gente corre o risco de chorar um pouco quando se deixou cativar...”.
            Para isso, as surpresas existem! Podem estar por toda parte, em qualquer lugar, basta senti-las, ainda que sejam por lapsos de segundos ou presas em nossos pensamentos. Para ti, uma revelação de onde sempre estarei a te cuidar, a envolver-te com minha beleza e o sopro leve de nossos dias: “- Tu olharás, de noite, as estrelas... Minha estrela será então qualquer das estrelas. Gostarás de olhar todas elas... E depois, eu vou fazer-te um presente...”
As estrelas, porém são guias e possuem suas características e brilho próprio, o que distingue as pessoas importantes das menos importantes em nossas vidas. Eu, porém, considero-te a estrela de mais brilho, o anjo de mais luz! Entendi-o dessa maneira ao sentir o livre pensar de Saint-Exupéry:
“- As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para outros, os sábios, são problemas. Para o meu negociante, eram ouro. Mas todas essas estrelas se calam. Tu, porém, terás estrelas como ninguém...”
Diante de tamanha felicidade, ao encontrar-me, saberás desde já que...Quando olhares o céu de noite, porque habitarei uma delas, porque numa delas estarei rindo, então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem rir!
É importante que te faças entendido quando olhares as estrelas, que te rias, que fales, nem que seja baixinho, para que eu, ao longe, mas em tua presença, responda-te e lhe dirija em meus pensamentos:
“-... Está bem. Tu verás onde começa, na areia, o sinal dos meus passos. Basta esperar-me. Estarei ali esta noite”.
Sempre presente como a luz de uma estrela, e ausente, escondida, para revelar o preço da saudade e o desejo do encontro, vou partir-te um pouco o coração com tal zelo exagerado... E quando te houveres consolado (a gente sempre se consola), tu te sentirás contente por me teres conhecido.
                                                                                                                             PATRÍCIA D.


PS.: TERIA ESCRITO À MÃO SE NÃO FOSSE A VONTADE INQUIETANTE DE ESCREVER-TE UM LIVRO EM ALGUMAS HORAS.