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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Beijar as mãos


Portrait Of Adele Bloch Bauer I - Gustav Klimt


Gosto de beijar as mãos de uma pessoa – é uma profissão de fé para demonstrar minha amizade e gratidão; faço-o como um gesto cheio de melindres maiores, que vêm do interior e sabe se instalar na pessoa que posa sem expectativas.



Beijar as mãos de uma pessoa é colocar-se no côncavo das mesmas mãos, bem fundo, na finitude, e sentir-se protegido; é sobretudo atitude, troca de calor; é se sentir acariciado, fazer jus ao instinto, sem pedir nada em troca.



São as sensações amistosas que roubamos e nos prendemos - dizem que não estamos sozinhos, quando pensamos que realmente estamos. Existem pessoas à volta, à espera, tão promíscuas em suas carências que beijariam as primeiras mãos que aparecessem, sem cheiro, cor, sabor, sem requintes...apenas para sentir o toque e não mais se entregar ao abandono, mas ceder à companhia, ao espaço entre uma palavra e outra, ou ao silêncio que antecede os atos improvisados.



Damos as mãos todos os dias, insensatos, desprevenidos, sem intenções, como um desabrigo prestes a escapar por entre os dedos (demonstramos uma aptidão interessada, algum agradecimentos ou estupefação desmedida que se confundem com o real significado da aparência), não para nos deixar absortos, ao contrário, expelir a fina demência racional que se esconde dentro da generosidade fantasmagórica – ela toma formas e age como um monstro escondido.



É um gesto simples para gostos simples, almas e corações refinados; canções vibrantes que ecoam na voz, nos passos, no movimento recíproco; aproximação, interação, troca de fluidos, por assim dizer; tilinta, sorve, espasma; é o que se bebe e sente expandir dentro de si.



Sentir outra pessoa, às vezes assusta - pela vibração e conexão das energias, pela mutualidade. E nem sempre se pode ver essa simbiose, é quase uma des-conexão ou uma força bruta que, por repulsa, não permite o toque, nem que o desejo de alguém se perpetue a ponto de sufocar-se; beijar as mãos, até do mais desgrenhado ser que posa em sua frente, é um gesto inexplicável e despudorado de humanidade.   



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