Translate

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Esculpidos pela vida




 
Imagem: A criação de Adão, Michelangelo
Sempre que passo em frente de alguma igreja, vasculho com o olhar o que tem lá dentro, como tudo está organizado e me vem uma sensação mística quase incontrolável, o desejo da redenção, seja pelo que for, o mínimo pecado imaginado pela gente, mas que está lá, acompanhando a vontade como um monstro irreconhecível, em destroços.


Tenho minhas crenças, meus dias em que acredito, e, outros, que nem sei como existir – às vezes mergulho em fantasias que crio, em devaneios poéticos, escrevo textos que alguém se identifica, ou não se dá por total satisfação; isto cada vez mais me dá um impulso para revolucionar algo dentro de mim; é uma espécie de vício olhar, perscrutar, observar ao longe, tentar sentir o que está exposto, até mesmo a pele encharcada do homem que pulsa junto ao coração.


Numa das minhas incursões pelas ruas de Porto Alegre, vi um homem chorando, conversando consigo dentro de uma igreja, a do Divino Espírito Santo, no bairro Bom Fim. Para muitos que olhasse para ele veria uma pessoa invadida pela loucura, veria seu momento mais fraco; ele perambulava dentro de si e não tinha explicação, buscava um encontro, acho que nem sabia com quem, talvez tivesse perdido algo, ou talvez até aquele momento nunca encontrou nada à sua altura. Ele estava sentado num banco lateral, e, acima da sua cabeça, estava narrada em detalhes minúsculos a Via Sacra de Cristo; era seu caminho entrecortado de pessoas que acreditaram e das que subjugaram sua força, como se ali dentro não existisse algum resquício de humano.


Em outras ocasiões vi pessoas em estados quase esquizofrênicos, como fala a literatura científica. Logo sinto um nó na garganta enlaçando a alma que trago – é que minha alma é mutável, dependendo da situação, ela se alastra pelo chão até encontrar seu outro pedaço. Tenho um recanto espiritual que não necessita de explicações nestes momentos, ele se encontra no lugar ideal, na hora certa, no ritmo perfeito. Sabe tirar de mim, com toda força, a essência da ação e o submundo da reação, independente das minhas escolhas religiosas, que não as tenho, não sigo religiões, mas me interesso pela simbologia, as histórias, o substrato, o Deus contido em todas elas, que se divide, abstrai, mas está, um só, no imaterial e material de todos os homens. 


Na Catedral de Notre-Dame de Paris vi uma mulher desesperada em frente à imagem de Maria, ela se parecia com as imagens góticas, vestida do maior sofrimento. Ela chorava, soluçava, se retorcia. Pude sentir o que havia nela, eram tantas sensações ali, que pude sofrer junto. Talvez eu tenha escrito algo e se perdeu com meu esquecimento, pois viver tudo aquilo era muito maior. Talvez ela chorasse pelo amor, pelos filhos, pelo abandono, pela vida que não viera e não pudera alcançar quando estava por perto. Ela estava tão dispersa que quase alcançava os pés com a cabeça em seus movimentos bruscos, elevava as mãos para o teto colorido por mãos seculares a espiá-la. Eram tantos encantos, tantas luzes esfumaçadas, que atingiam qualquer estado de palavras, era como um julgamento: de réus e de gárgulas.


Passei por muitas igrejas, em vários lugares, com a câmera fotográfica posando nas mãos, apontando para o momento certo que chamaria a atenção do meu olhar. Em Roma, visitei a Basílica di San Pietro e me extasiei com a Pietà, de Michelangelo; a Basílica di Santa Maria Maggiore, que está a mãe de Jesus com toda a sua pompa sagrada; A Igreja de San Pietro in Vincoli, dedicada a São Pedro e a São Paulo, onde o Moisés de Michelangelo enormemente brilha no mármore polido; na Igreja Santa Maria Del Popolo, existe uma inscrição no solo que diz Mors ad coelos ( a morte é o caminho para o céu), pensei realmente sobre isto. Consegui enxergar nessas igrejas muitas cenas humanas, sagradas, ainda vivas. 


Mas para escrever sobre homens, mulheres e suas vidas fatigadas preciso entrar em sintonia - com a pessoa, o ambiente; preciso cruzar minha história, atiçar minha liberdade para invadir espaços lacrados dentro das pessoas; umas são quase imperceptíveis; outras se mostram, revelam o dia mais obscuro que procuro. Sei que muitas delas se veem como restos que entraram em decomposição e deixaram suas formas nuas, brancas, quase esculpidas no mesmo mármore do Michelangelo. Eu as vejo como almas lapidadas pela vida.



                               ***

Um comentário:

  1. Olá bom sábado pra vc!!!
    passeando pelos Blogs vi o seu e vim
    conhecer, gostei de tudo que vi por aqui, parabéns pelo belo post, e tomar um cafezinho com novos amigos e tudo de bom, se puder me visite e fique como eu
    Deixo um abraço com carinho

    Bjusssss

    ____________Rita!!

    http://cantinhovirtualdarita.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir