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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

De uma composição imprevisível



Imagem: disponível em Hanna Brescia in Pictures

Se o som soubesse o que falo intimamente quando me calo, logo já nasceria outro ser – mais falante, quem sabe, em alto e bom tom – não arrisco mostrar-me uma segunda, terceira ou outra incontável pessoa; ser quem não conheço ser, o que não imagino ousar além da porta aberta, o medo da imaginação oculta.



Existe um eco contínuo, espalhado, que se estranha no poder ofuscado das ruas; ele se reconhece nos passos, nos gestos, no abrigo da penumbra deslumbrante, um ente sugestivo que atiça; ele se encanta nas entranhas escassas do caminho; meu eco é cansado e sabe que retorna para algum lugar, movido pela inconsistência do acaso que promete o ilimitado mistério de uma alma valente.



Não, acho que não tenho mais nenhum cansaço como antes, agora é que tenho sonhos que escapam de mim e flutuam no horizonte, perdidos, mas são meus. Adentram cores e se transformam em sentimentos maiores que que raios lançados nas tempestades – definitivamente, eles não podem ver sua monstruosidade viva.



Independente das minhas contradições e de todas as reviravoltas, dos meus enganos e sentidos vulneráveis, ainda tento escrever o que já me torno, o que já sou; tudo o que vejo, toco, como e degusto o mistério dentro de mim – gosto do som das pequenas composições que se formam como cimento, delineando minha intimidade ainda não totalmente completa, mas que já é algo complexo demais para se extinguir em pouco tempo.



É embaraçoso compor o que já se é. Penso que é porque tento e o faço sempre que posso, e lembro que fugidias notas estão pausadas em minhas mãos, resta-me lhes dar formas reais que se tecem, não necessariamente sentidas e visíveis, elas são pedaços intangíveis que exploram a capacidade de todos os sentidos. É como uma espécie de faro, até que se pode chegar mais perto e deixar se sentir, espinhando o último estalo dos dedos na consciência.



Ainda não sei compor, me juntar, preciso de uma fórmula que não existe e jamais existiu, sou inviolável, insubmissa, indivisível, inquestionável, sem exatidão, conceito ou qualquer característica que me enquadre numa temível estabilidade, prefiro a inventividade do caos que se reinventa nas situações imprevistas. 

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