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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Esbanjo a vida como ela é

Imagem: Sérgio Pavanello

Não exijo muito da vida. Que ela me dê o riso, e não o pudor de não saber frequentar minhas vaidades. É só questão de tempo quando penso no que desejo fazer “até lá” – falo daquele cantinho que montamos tão bem decorados como nos filmes de época, algumas vezes, até melhor, como toques muito particulares e sutis. É como se uma mistura de intrincadas composições químicas materiais e imateriais tomassem conta do único espaço existente, a se esparramarem loucamente com suas forças propulsoras de motores pesados.



Deter-se incondicionalmente nos espaços e tempos relatados, insistentemente cruzados com a densidade sempre rebelde da imaturidade tardia - é o que muitos fazem. A sublime constatação é que não me detenho, nem sou dona de fato do que encontro pela frente; não espero nada que venha como prêmio - acho que não sou merecedora de relíquias. É algo mais que um consentimento espesso, tateando bem devagar, o que assumo com irresponsabilidade. Ele vem como um intruso na noite adentrando o quarto de uma jovem fingida. Este consentimento de que falo me é inescapável. De qualquer forma não o entendo, deixo-o rondar, prender-se, amadurecer dentro de um casulo, ainda que não encontre a saída ou aval dos deuses.



Mostro o que é inevitável! Como uma ave viçosa no rebento das novas copas primaveris, deixo o grito tilintar com todas as forças na transição das noites. Não suporto ser reconhecida, evito olhar com precisão desde cedo, não importa o que penso sobre o futuro, pois nem sempre ele interessa. Se os pés estão fincados num tempo, ele é o presente improvisado, puro, cheio de malícia; é a melodia, o estalo, o tiro ao alvo, o que se sobressai nos atos reais que em poucos segundos se metamorfoseia em memória e ficção.



Esbanjo a vida como ela é. Se às vezes vejo tudo como uma vontade esquisita e voluptuosa que salta no convés infinito das pessoas, saio logo com um nome à minha fonte revelada – o nome dá importância e faz com que as coisas existam, ainda que tenhamos que reinventar suas formas para saciamos o gosto tramitante e instável do corpo. Digo para o que vim, o que quero e como sou. E se estou do lado de fora de qualquer lugar, esperando meu vendaval interior passar, viajo e me vejo num suntuoso sonho; suavemente, espero que venham mais chuvas e tempestades acompanhando a instigante criatura prestes a se mostrar.

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