Translate

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Invenções de cenas, casos e ilusões

Imagem: Robert Doisneau, Sabine Azéma and the truss supplier, May 1985



       Queria escrever uma peça de teatro somente com três personagens, ao estilo The Good, The Bad and The Ugly, de Clint Eastwood. Haveria um conflito maior; os personagens tomariam as cenas por completo. Seria um emaranhado de diálogos, casos, situações dominantes, aspectos psicológicos, todos estariam envolvidos, no íntimo, com suas características mais marcantes, unidos por um fio de confissões e descobertas.

            Um divã armado, com lentes e flashes apontados dentro mundo contemporâneo, das relações virtuais, da intensidade da exposição frente às telas, aos microfones ou ao consumo que dita as regras do “eu sou”. É o cotidiano, as angústias, a incapacidade de adaptação, o processo dolorido de não se sentir quem se é de verdade. É a exposição e expiação da busca de si próprio; é a adaptação à vida supérflua do outro, que também o espera como a salvação compassiva para os erros e a busca insana pela perfeição que não existe.

            Três personagens, a um só tempo, descobririam que não vale a pena buscar mundos e pessoas perfeitas - uma mostra equivocada da arte feita e para pessoas reais, mercadoras de ilusões, que vendem sonhos e discursos prontos, manuais ques na prática, não funcionam. A verdade é que todos precisam se adaptar dentro da urgência da modernidade, aos ditames pós-modernos – palavras e conceitos bonitos que se afiguram como o esporádico que emerge com o fulgor das sensações; a busca do sentido; o poder da personalidade; uma esperança para um futuro que solucione todos os problemas, pois já temos solução e tecnologia para quase tudo – necessitamos somente do tato e testar nossos sentidos num gesto coletivo, numa esfera que se entenda de gente, que o principal motivo sejam as pessoas, para não corrermos o risco de nos transformarmos em máquinas pensantes.

            Continuariam, a passos lentos, os três personagens no movimentos aleatório da busca, do entendimento através das suas histórias, pois, reconheceriam que, no íntimo, seriam desconhecidos de si. Nem mesmo possuíam uma identidade reconhecível, adaptável entre eles, estranhariam-se a cada ato.

            Antes da peça terminar, desejariam voltar para seus lares confortáveis, a realidade do palco se vê que é algo assustador, não é só representar e andar para os lados, gestualizar, externar o que se tem vergonha de mostrar, é sobretudo um desnudamento para estranhos, um reboliço que causaria suas vergonhas. Não mais definiriam como seriam ou lembrariam o tom dos seus rostos, poderiam até esquecer, mentir, desviar, afinal, estariam dentro de redomas de diálogos impossíveis. Seria mais fácil se ausentar e voltar quando quisesse, teria-se o controle nas mãos – e não é bem assim que funciona.

            Estar no palco é viver, sentir, encenar, trazer o mundo seres estranhos, esquisitos, que nem conhecemos (é como uma fera anjaulada que prende os dedos, encaixados, nas grades quadradas das janelas pesadas); é uma mistura do que se prova, do que se tem para comer, dos sentimentos, do grito, do desejo de sumir para se encontrar em outros palcos, levando outra vida na mala, ainda que seja inventada.

***

Nenhum comentário:

Postar um comentário